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Entrevista com Dominique Dreyfus

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Há um punhado de biografias de Luiz Gonzaga, mas nenhuma conta a vida de Luiz Gonzaga com tantos detalhes confirmados quanto a da frances Dominique Dreyfus, que escreveu “Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga” (Editora 34, preço médio: R$50). Para fazer o livro, Dominique – que morou em Garanhuns durante a infância e fala português sem sotaque – morou por dois meses na casa do Rei do baião, no Parque Aza Branca, em Exu. Fez entrevistas com parentes e amigos e procurou por documentos e fotos.

Entrevista// Dominique Dreyfus

No seu livro, você só cita Rosinha Gonzaga uma vez, no momento em que ela é adotada. Por que esta escolha?
A questão da esterelidade de Gonzaga magoava muito Helena…e ela era uma mulher complicada, não era nada simples. Ao invés de dizer “não podemos ter um filho, vamos adotar”, ela arranjou uma pessoa que podia lhe dar uma criança. Ela pensou: “vou fingir que estou grávida, sumir por uns tempos, vão dizer que estou em um estado interessante”. Então ela apareceu com essa menina. O Gonzaga não estava nem aí. Ele não era de ter filho. Tinha a grande mágoa com o Gonzaguinha, que ele não cuidou bem até os 15 anos. Então, essa criança era filha somente da Helena. E a Helena educou esta menina – quando eu entrevistei Rosinha vi que não era papo-furado – para desprezar o pai porque ele era negro. Ela era super racista em relação ao pai. Quando a entrevistei, ela falava de Gonzaga de uma maneira muito estranha. E acho que ela teve rapidamente vontade de sair dessa família. Ela casou e tinha a vida dela. Gonzaga mal me falou dela. Na verdade, pouca gente falou dela.

Como foi sua entrevista com ela?
Ela é casada com um senhor que construiu um castelo dourado e a mantinha separada do resto do mundo. Eu fui entrevistá-la e ele, sentado do lado dela, respondia por ela. Foi tudo muito estranho. A certa altura fiz uma pergunta delicada e ele deu uma resposta estranha, dizendo que era ligado ao pessoal dos bicheiros, que não tinha medo de matar ninguém. Como eu sabia que ele era meio assim, fui com uma pessoa, que disse que era o motorista, mas na verdade era o advogado do editor. Depois da entrevista, eu perguntei o que ele achava. Ele disse: “ele te ameaçou, então é melhor você não falar demais”.

O que você acha de hoje em dia ela ser a principal responsável pelo legado de Gonzaga?
É a lei, né. Eu espero só que ela administre isso bem, que tenham pessoas ajudando. Não sei bem como as coisas estão sendo feitas. Tem os filhos de Gonzaguinha também, que têm a menor parte. Ela teve uma certa razão de vender o Parque Aza Branca. O que ela ia fazer com aquilo, se ela não conhecia?

A relação dela com Gonzaga era bem distante, então.
É, depois que ela ficou adulta e casou não houve nenhuma…mas ela foi gentil comigo. Ela e o marido me entregaram os passaportes de Gonzaga e Helena para colocar no livro. Mas não queriam que eu falasse muito dela no livro.

Gonzaga parecia não pensar muito no futuro, quando aparecia o problema é que ele tentava resolver. Ele tinha noção da importância dele para a música brasileira?
Uma pessoa inteligente sabe o que ele vale, sem arrogância. O Gonzaga sabia exatamente a importância dele e como ele tinha essa noção, ele não precisava esquentar a cabeça, nem ser arrogante. Quando ele estava em baixa, ele sabia que o que ele havia feito antes importante. A carreira dele teve aquele apogeu, depois a terrível queda, e quando os baianos começaram com o tropicalismo e começaram a citar o nome dele, ele refez uma segunda carreira, tão importante quanto a primeira. Era diferente porque era outra época, outra forma. Mas ele foi tão importante na primeira quanto nesta terceira fase. O Gonzaga falou de uma maneira extremamente tranquila, e até com certo humor, sobre a queda, sem nenhuma armagura. “Pois é, a bossa-nova chegou e acabou com tudo”. O público que não tava nem aí para a bossa-nova continuava, e Gonzaga continou para eles. Tinha uma coisa boa que é que ele não ligava nem um pouco para o luxo. O apartamento deles na Ilha do Governador era de uma simplicidade! O Parque Aza Branca era todo rústico. Não tinha nada de luxo na vida do Gonzaga. O dinheiro dele, ele dava para ajudar os amigos, a família…O que ele queria era sair pelas estradas e dar show.

No final da vida ele tinha dinheiro? os familiares de Edelzuita tiveram que ajudar a pagar o hospital onde ele ficou internado…
Ele não dava mais shows, é óbvio. Mas ele recebia direitos autoriais. Mesmo que a administração do direito autoral não fosse lá muito boa, ele recebia. Recebia direitos autorais do mundo todo. Mesmo que ele não fosse conhecido lá fora, sempre tinha algum maluco no Japão, nos Estados Unidos, em algum lugar, que divulgava o trabalho dele. Vi pilhas de levantamentos de direitos autorais. Então, dinheiro entrava. O negócio é que ele gastava muito. Por exemplo, ele resolvia fazer um negócio, aí fazia na urgência, ficava mal feito, derrubava, o cara que fazia roubava um pouquinho…era uma profunda desorganização. O que permitia que qualquer pessoa pegasse dinheiro dele a torto e a direito. No final da vida é possível que a Edelzuíta tenha ajudado um pouco, sem que eu tenha como saber se foi porque estavam segurando dinheiro do lado do Gonzaga, sem querer cooperar, porque D. Helena não admitia que o Gonzaga tivesse deixado ela. Ela complicou muito, muito a separação. Eu cheguei em Exu no auge da crise…e, puxa, como era complicado! Eu estava lá para fazer o livro, mas estava na casa deles. De repente eu estava assumindo um papel de confidente, quase de intermediária. “você podia dizer ao Gonzaga…, “você podia dizer a Helena…”. Você sentia que tinha muitos anos de história daquele casal, mas era complicado…

No livro você, de certa forma, toma partido de Edelzuíta. Como era o relacionamento dela com Gonzaga?
É difícil não tomar o partido de Edelzuíta. Ela era muito charmosa e não tinha esse discurso de forçar a barra com o Gonzaga. Ele queria estar com ela, ela dizia: “tá bom”. Quantas vezes o Gonzaga dizia “acabou o namoro”, ela chorava, chorava, mas ficava na na dela. Fiquei muito impressionada com a Helena porque ela era incrivelmente inteligente. Nos demos bem, conversávamos na varanda. Mas, ao mesmo tempo, eu fiquei extremamente chocada com esse racismo, esse desprezo que ela tinha por esta figura com quem ela era casada. Eu não fui educada para tolerar o racismo.

Como Gonzaga lidava com isso?
Ele era muito sofrido. Ele nunca formalizou, disse uma frase: “a Helena é racista”. Essa palavra não surgiu em nenhum lugar, em nenhuma conversa. É a minha percepção das coisas. Por mais que ele tenha sido a figura que ele foi, tenha tido a importância que ele teve, para Helena, ele sempre se manteve como um negro de origem pobre. E ela era uma branca, de uma família importante de Pernambuco, os Cavalcanti.

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