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‘Só tenho coisa boa para falar’, diz Arlindo dos 8 Baixos sobre o Recife

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Nesta segunda-feira (12), o Recife completa 475 anos. Reconhecida como um dos berços da cultura musical do Brasil, onde muitas pessoas encontram o espaço ideal para dar vazão à sua arte, a homenagem à capital pernambucana chega por meio de um instrumentista que escolheu esta cidade para morar. Há quase 50 anos, o sanfoneiro Arlindo dos 8 Baixos deu uma virada na vida ao aceitar trabalhar cortando cabelo em uma barbearia no bairro de Água Fria, na Zona Norte. Depois desse passo, muita coisa aconteceu e até turnês com Luiz Gonzaga fazem parte dessa história – que é longa, vai fazer 70 anos em abril e começa com outro tipo de corte: o da cana-de-açúcar.

Nascido Arlindo Ramos Pereira, no dia 16 de abril de 1942, no povoado de Santo Amaro, em Sirinhaém, Mata Sul de Pernambuco, logo criança sentiu nas mãos as dores da enxada, plantando e cortando cana-de-açúcar em um engenho da região. Mas também descobriu com elas outra habilidade: tocar sanfona. Aos dez anos, teve o primeiro contanto com a de 8 baixos, que pertencia ao pai – mas ele não incentivava o filho. Pelo contrário, escondia o instrumento do menino, que levava bronca se fosse encontrado mexendo na sanfona.

Não teve jeito. Arlindo apredeu a tocar sozinho, vendo os outros executarem as notas, e tomou gosto pela sanfona, até que ganhou uma do pai, que não se opunha mais ao talento do filho. No entanto, a música era apenas diversão. A vida era dura no campo. Quando Arlindo aprendeu a cortar cabelo, deixou o arado. Mas a sorte dele só começou a mudar na adolescência, quando um tio o convidou para morar em Ponte dos Carvalhos, no Cabo, cidade do Grande Recife. Lá, trabalhava em uma barbearia e, entre um cliente e outro, pegava a sanfona para treinar. No repertório, forró, tango, chorinho, xote, marchinha e cumbia.

E, assim, foi atraindo a atenção de quem passava, até surgirem convites para tocar em pequenas festas. Pouco tempo depois, um amigo disse que, no Recife, ele conseguiria um emprego semelhante. Aos 23 anos, estava empregado em um salão na Avenida Beberibe, em Água Fria, e morando no Fundão, bairro vizinho. Lá, as “tocadas” nos intervalos do serviço e em eventos continuaram. O que mudou foi a plateia. “Aqui, comecei a abrir meu círculo de amizades. Conheci outros artistas, radialistas. Fui chamado para dar entrevistas na rádio. Até que me convidaram para entrar na banda Coruja e seus Tangarás”, contou.

Gonzaga
Arlindo integrou o grupo, que imitava os cangaceiros de Lampião, por apenas quatro anos. Porém, o tempo foi suficiente para viajar por todo o Brasil fazendo shows. Mas foi no Recife que ele conheceu o homem que daria uma guinada na carreira dele: Luiz Gonzaga. A banda abriu a apresentação do Rei do Baião, no Parque de Exposições do Cordeiro. “Eu nunca tinha visto ele pessoalmente. Fiquei na frente do palco para ver bem de pertinho. Quando a cantora Marinês foi fazer uma participação especial, Gonzaga disse que não estava acostumado a acompanhar ninguém. Ai, Coruja me ofereceu”, disse.
O sanfoneiro tocou três músicas. Depois, mais duas, na participação de Waldick Soriano. “No fim do show. Gonzaga chegou para mim e falou: ‘não pare de tocar, você tem jeito para o negócio’. Coruja, ‘enxerido’ que era, ainda comentou com Gonzaga que eu sabia afinar sanfona. No dia seguinte, ele apareceu na minha casa. Eu nem acreditei quando o vi. Afinei o instrumento e não quis cobrar, mas ele queria me ajudar e deu para minha mulher, no valor de hoje, cerca de R$ 1 mil, dinheiro que eu não ganharia em um mês.”

A partir de então a amizade só fez crescer. Arlindo começou a acompanhar Luiz Gonzaga em turnês pelo país. Um dia comentou com o mestre Lua a vontade de gravar um disco. “Disse a ele que via a ‘cara’ dos meus amigos todos nas capas de álbuns. Foi quando ele me aconselhou a trocar a sanfona pelo fole de 8 baixos, porque sabia que as gravadoras já estavam cheias de sanfoneiros.” Assim, em 1981, surgiu o disco “Arlindo dos 8 Baixos, Mestre do Beberibe”, com o apelido que o artista carrega até hoje.

Foram 22 anos de parceria com Gonzagão até construir uma carreira própria, que, em 2012, completa 50 anos. O caminho é recheado com 18 discos e mais de 200 músicas gravadas – a maioria instrumental. O último trabalho foi lançado ano passado, o álbum “Oito Baixos no Frevo”. Há dez anos, o artista também mantém no quintal de sua casa, em Dois Unidos, periferia do Recife, o Forró do Arlindo. A festa ocorre todos os domingos. “Naquela época, não tinha um forró na cidade. Então, resolvi fazer um aqui mesmo. O chão era de terra, não tinha coberta, mas o povo gostou. Se eu quiser parar agora, não consigo mais. Hoje, todo mundo diz que eu mudei a cara do bairro, que era tido como muito violento”, comentou.
Admiração
O que impressiona em Arlindo é a disposição de continuar tocando e animando os finais de semana do Recife. Há cerca de anos, ele perdeu a visão por causa da diabetes. A doença o leva três vezes por semana ao Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP) para um tratamento que inclui sessões de hemodiálise. O artista também sofre com uma alergia nas mãos, logo elas. A causa do mal ainda não foi descoberta. Em época de crise, a pele coça e ele não resiste. Chegar a sangra e ficar inchada. E a sanfona sente saudade.

“Ele é um dos melhores tocadores de 8 baixos do país. Mesmo com suas dificuldades, ele continua trabalhando. É um excelente afinador de sanfona, que é uma coisa muito difícil. Ele também vem mantendo uma regularidade grande com esse instrumento, que as pessoas não querem aprender, ajudando a manter viva essa tradição”, elogia o instrumentista e cantor pernambucano Dominguinhos.

No âmbito familiar, também só há elogios para Arlindo, que três filhos. “Ele é um pai maravilhoso, amigo, não tem defeito”, diz a filha Érika Macêdo, 29 anos. Os outros dois, Adílson e Arlindo, 40 e 41 anos, respectivamente, também se tornaram músicos e tocam bateria e contrabaixo, respectivamente. A esposa Odete Macêdo, 64 anos, não esconde o jogo e aponta, sim, um defeito do marido, com o qual está casado há mais de 40 anos. “Ele era muito namorador, boa vida, mas a gente supera. Tudo que temos na vida foi por causa da luta dele”, falou.

E a luta de Arlindo dos 8 Baixos foi vencida no Recife. “Desde que eu vim para cá, tudo mudou na minha vida. Lá, onde eu nasci, cortava cana. Não era ninguém. Aqui todo mundo me respeita muito. Só tenho coisas boas para falar daqui. Só sinto falta de ver os circos, os mamulengos, os caboclinhos, as cores do carnaval. As pessoas têm que valorizar isso”, finalizou.

Serviço
Forró do Arlindo
Avenida Hidelbrando de Vasconcelos, 2900, Dois Unidos.
Aos domingos, a partir das 17h
Preço: R$ 10 – policial, músico e imprensa entra de graça
Telefone: (81) 3443-9147.

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